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Imagem - A Remodelagem das Regras Gerais Sobre Atualização Monetária e Juros – Advento da Lei nº 14.905 de 28 de Junho de 2024
Alerta Cível

A Remodelagem das Regras Gerais Sobre Atualização Monetária e Juros – Advento da Lei nº 14.905 de 28 de Junho de 2024

A expressão “encargos da mora” ou, popularmente, “encargos de dívida” reúne os itens acessórios que serão acrescidos ao valor do débito original, o que resulta, invariavelmente, no aumento significativo das dívidas.

De acordo com o direito das obrigações, sempre que a dívida não é quitada no ato do vencimento seu valor será majorado por meio de 4 (quatro) elementos, definidos como “atualização monetária” “juros de mora”, “juros remuneratórios” e a “multa contratual”.

A atualização monetária observa o próprio índice eleito no contrato firmado entre as partes e, em caso de omissão ou silêncio dos contratantes, utiliza-se para as ações judiciais a tabela prática adotada pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal competente para apreciação do conflito, sendo tais tabelas divulgadas mensalmente.

Nesse ponto específico, a Lei Federal nº 14.905/2024 encerrou a discussão em torno do assunto ao indicar o IPCA como índice de atualização monetária padrão na falta de elegibilidade pelos contratantes.

Por sua vez, os juros de mora são, sem dúvidas, o adicional mais complexo.

A Lei estabeleceu um limite, em princípio, de caráter objetivo: caso ele seja estipulado pelas partes no contrato, não poderá superar ao dobro do limite da taxa legal. E na última parte do dispositivo reside a grande dificuldade: o que é a taxa legal?

Durante anos, prevaleceu o entendimento de que “taxa legal” significa 1% ao mês. Recentemente, a jurisprudência passou a compreender que a “taxa legal” se refere àquela aplicável aos tributos federais, o que significa adotar a SELIC do Banco Central.

Novamente, a Lei Federal nº 14.905/2024 intercedeu e pacificou a controvérsia com a indicação da SELIC como taxa de juros padrão na falta de elegibilidade pelos contratantes, tornando-a, assim, o principal balizador para as relações contratuais e civis.

Quanto ao terceiro elemento, destaca-se que os juros remuneratórios recompensam o credor pela antecipação do capital utilizado na operação econômica (notadamente nas operações decorrentes de empréstimo, tal como o financiamento). Diferente do que se imagina, a cobrança deste acessório não é ato privativo de instituições financeiras.

Na verdade, o que a entidade bancária detém de diferencial é a possibilidade de praticar o chamado “anatocismo” (somar os juros ao capital para contagem de novos juros) ou, popularmente, a “cobrança de juros sobre juros” em inferioridade anual (GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 409) e com taxa de juros diferenciada.

  1. Explicaremos ambos os fenômenos.
  1. A Lei da Usura (Decreto-Lei nº 22.626 de 1933) tem a seguinte previsão (art.1º, § 3º, e art.4º):

“A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial.

É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”

Assim, com exceção dos bancos e das demais instituições financeiras (operadoras de cartão de crédito, administradoras de consórcio, cooperativas de crédito, instituições de pagamento, entre outros), o fenômeno do “anatocismo” era desacompanhado da inferioridade anual[1] ([1] STJ, Segunda Seção, relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, REsp nº 973.827/RS, j. em 24/09/2012 (Sistemática do Recurso Especial Repetitivo TEMA 247), e da possibilidade de adotar taxa distinta do percentual de 6% ao ano por pessoas físicas ou jurídicas, nos termos da norma acima, que estabelecia, até mesmo, responsabilidade criminal para quem o praticasse e impunha a nulidade do negócio jurídico.

Porém, a minirreforma introduzida pela Lei Federal nº 14.905/2024 alterou profundamente essa regra dos juros remuneratórios com o afastamento da limitação da norma em destaque (ou seja, tanto do anatocismo em inferioridade anual quanto da taxa de juros diferenciada) para negócios celebrados entre pessoas jurídicas, obrigações representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários ou contraídas perante instituições entre uma instituição financeira e pessoa física.

Vale dizer, a prerrogativa reservada aos bancos e demais entidades financeiras encontrava, ao menos, o limite do valor da taxa de juros remuneratórios em atos infralegais de incumbência do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional.

No entanto, entre particulares, notadamente pessoas jurídicas, o anatocismo em prazo inferior ao anual será acompanhado da permissão de estabelecer a taxa de juros diferenciada desamarrada da legislação e de atos normativos próprios da Casa Bancária, fazendo surgir uma circunstância pra lá de inovadora: o estabelecimento de condição mais gravosa, inclusive.

Sobre o quarto elemento, temos que a multa contratual se refere à penalidade sofrida pelo devedor diante do inadimplemento da obrigação prometida. Assim, a mora contratual é estipulada pelas partes por meio da criação de um percentual sobre o valor da prestação principal.

Ressalta-se que a limitação deste percentual diz respeito ao contorno da relação jurídica. No caso de contratos sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, o limitador é de 2% (dois por cento), nos termos do art. 52, § 1º, da Lei nº 8.078 de 1990.

No caso de contratos sujeitos ao Código Civil (contratos paritários ou empresariais), o limitador é genérico, isto é, sujeitando a multa ao teto máximo do valor da própria obrigação, nos termos do art. 412 do Código Civil. E existe a possibilidade de controle judicial da penalidade no caso concreto, de acordo com a natureza contratual e o eventual cumprimento parcial da obrigação pelo devedor, fixando-a, costumeiramente, em até 10% (dez por cento) do valor do contrato.

Por fim, o conjunto de alterações introduzidas pela Lei Federal nº 14.905/2024 também vinculou o débito condominial ao percentual de 2% (dois por cento) a título de penalidade (multa moratória), apesar de não ter sua origem numa típica relação de consumo.

Diante dessas considerações, é possível concluir que a finalidade da nova legislação é a de facilitar a difusão do crédito, em especial fora do sistema financeiro, por meio da flexibilização de regras e de limites antes impostos à contratação entre particulares, sobretudo entre pessoas jurídicas.

Não obstante o movimento legislativo e a imediata entrada em vigor da Lei Federal nº 14.905/2024, é necessário ressalvar que o Superior Tribunal de Justiça ainda não deu a palavra final sobre a questão dos juros e aplicação da SELIC (índice que apresenta variação econômica e pode, conforme o caso, induzir ao inadimplemento proposital da obrigação pelo devedor), tema que está sob julgamento no recurso especial nº 1.081.149/SP, com repercussão geral sobre as demais decisões judiciais sobre a matéria.